Comércio na pandemia: existem caminhos para evitar a falência?
Em meio às mudanças de bandeira e às medidas restritivas para controlar os números alarmantes da Covid-19, o setor comercial luta para evitar a falência. Neste cenário, especialistas apontam possíveis caminhos
Conciliar as necessidades de proteção impostas pela pandemia com a preservação da economia tem sido um dos grandes desafios para o país e os seus gestores nos níveis nacional, estadual e municipal. Que a saúde da população deve estar sempre em primeiro lugar, isso é claro. Mas, em meio ao vai e vem de bandeiras, às inúmeras medidas sanitárias e às restrições de horários de funcionamento, de que forma é possível evitar a onda de falências e desemprego?
Depois de mais de um ano do contexto pandêmico, os impactos negativos para os estabelecimentos comerciais são amplos e atingem, principalmente, os micros, pequenos e médios empresários. No Paraná, segundo matéria da Gazeta do Povo, 40% dos bares, 30% dos restaurantes, 75% das casas noturnas e 80% das empresas de eventos fecharam as portas, e o desemprego atingiu 90 mil trabalhadores formais e informais, em 2020.
Lucros reduzidos, empréstimos e dívidas que se acumulam. Diante das incertezas, o clima é de desespero e também de revolta por parte dos comerciantes. Em fevereiro deste ano, uma manifestação de entidades do setor empresarial aconteceu na capital paranaense, reivindicando a reparação de gastos causados pela pandemia. Da mesma forma, no início de junho, uma ação foi movida na justiça pela Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) contra o fechamento dos estabelecimentos devido às restrições impostas pela adoção da bandeira vermelha pela Prefeitura da cidade.
Nesse cenário, conseguir manter-se aberto e funcionando tornou-se uma luta pela sobrevivência para os comerciantes. Segundo a advogada Mara Wilhelm, especialista em reestruturação empresarial e em recuperação judicial, sócia do escritório de advocacia Wilhelm & Niels, "tem sido muito difícil para os empresários manterem os estabelecimentos funcionando, com constantes fechamentos ou restrições, baixa do faturamento, trazendo dificuldades em planejar o futuro, sendo que muitos já esgotaram as economias e agora acumulam dívidas, vivendo um período de incertezas e falta de respaldo por parte do governo para essa situação".
A cada aumento de casos e alternância de bandeiras, o Governo mantém as mesmas providências, que são: restrição das atividades comerciais e de alguns serviços, porém, as demais atividades, como as industriais, por exemplo, permanecem funcionando normalmente, assim como transporte coletivo, que todos reconhecem a essencialidade, mas, nem sempre a superlotação é evitada.
Segundo a infectologista Flávia Cunha Gomide Capraro, do Hospital Nossa Senhora das Graças e do Hospital Sugisawa, os já conhecidos protocolos de biossegurança, como o distanciamento social, controlando a entrada de clientes nos estabelecimentos, o uso de máscara e a disponibilização de álcool gel, são suficientes, mas poderiam ser combinadas à outras: "horários de funcionamento mais amplos diminuiríam a aglomeração. Assim como uma maior oferta no número de ônibus, ao invés do contrário.", aponta a médica.
Com a adoção das medidas sempre no mesmo setor, houve um agravamento profundo da crise deste, gerando muito desemprego e fechamento de atividades. "Infelizmente, temos visto que manter as mesmas medidas não está surtindo efeito na contenção do vírus. É necessário conscientizar as pessoas, pois de nada adianta restringir atividades, se a população burla o isolamento proposto por uma cidade e buscar lazer e diversão nas cidades vizinhas ou em outros estados. Ações isoladas apenas dão a falsa impressão de controle da doença", complementa a advogada Mara Wilhelm.
Pandemia x economia: há como conciliar? Especialistas apontam possíveis caminhos
De acordo com a infectologista, é possível conciliar as restrições impostas pela pandemia e as necessidades do setor comercial. "Eu acho que é possível sim. Dá para manter o funcionamento de quase tudo com distanciamento. Precisa de alguns ajustes, mas dá. A parte mais difícil (essa eu não sei como manter) são as baladas e casas noturnas. Porque as pessoas saem para beber e confraternizar. Mas cinemas, academias, lojas, tudo dá para fazer com segurança, se quiser.", aponta.
Para controlar a pandemia e, ao mesmo tempo, garantir a manutenção da economia, a saída parece ser um trabalho conjunto entre o governo, os comerciantes e a população em geral. "Os estabelecimentos precisam exigir o cumprimento das medidas de seus clientes. As academias, por exemplo, estão super adaptadas, mas mantém os vestiários abertos e é lá que as pessoas se contaminam (porque retiram a máscara). Outro exemplo são restaurantes em que as mesas estão devidamente afastadas, mas os clientes chegam e juntam as mesas. Eu vejo que os estabelecimentos tentam se ajustar, mas os clientes não ajudam.", ressalta a infectologista.
Enquanto esses esforços mútuos não são seguidos à risca, a especialista Mara Wilhelm, aponta que para evitar o fechamento dos negócios, o empresário endividado tem alguns caminhos para ajudar a amenizar a crise, dentre eles, realizar negociações com funcionários, aproveitando as reduções legais, utilização de banco de horas, concessão de férias e, até mesmo, negociar as rescisões com os sindicatos, se não houver alternativa. Já com os demais credores e instituições financeiras, a negociação e a prorrogação tem sido um caminho a ser percorrido, que poderá dar um fôlego para seguir com a atividade.
Segundo Mara, quando esses caminhos não resolvem a questão, uma nova alternativa tem se destacado nesse período de crise, a qual surgiu da alteração da Lei de Recuperação Judicial (11.101/05). É o protocolo de uma negociação prévia, explicando que a empresa está em crise e quer promover a conciliação com os credores. O Juiz concede um prazo, que pode ser de até 60 dias, para ocorrer uma composição e suspende toda e qualquer cobrança e execução.
Caso seja positiva a conciliação, a parte apresenta os acordos em juízo para homologação. Quando não chegam num acordo, a empresa poderá requerer a Recuperação Extrajudicial ou Recuperação Judicial, para então repactuar o seu passivo, seguindo os trâmites desta lei.